Por que falar de geologia estrutural e de geologia de engenharia agora?

Vivemos um momento em que eventos climáticos extremos, a ocupação de áreas de risco e a expansão de obras de infraestrutura se cruzam no mesmo território. Essas pressões aumentam a probabilidade de instabilidades em encostas, interferem no desempenho de túneis e fundações e exigem decisões mais bem informadas sobre contenção e drenagem. 

Falar de geologia estrutural e geologia de engenharia hoje é também discutir questões de planejamento urbano, vulnerabilidade e uso responsável das áreas. Logo, é compreender como o conhecimento geológico pode apoiar escolhas mais seguras e transparentes diante dos riscos. 

No Brasil, a combinação entre clima tropical, relevo e ocupação de áreas de risco torna a estabilidade de encostas um tema do cotidiano. Ao mesmo tempo, seguimos expandindo infraestrutura como estradas, túneis, barragens e contenções, em terrenos com histórias geológicas complexas. Portanto, cabe à geologia estrutural avaliar os riscos, e implementar através de geologia de engenharia, melhorias que previnam acidentes e garantam obras responsáveis e seguras.

O que é, afinal, geologia estrutural? E o que faz a geologia de engenharia no dia a dia?

Em termos simples, geologia estrutural investiga como a crosta se deformou e quais esforços deixaram essas marcas, o que pode ser observado em falhas, dobras e zonas de cisalhamento (faixa alongada onde a rocha foi cisalhada e “moída”; é um volume de fraqueza que exige atenção em taludes, túneis e fundações). 

Destaca-se também a investigação da direção máxima de esforço (σ₁), que indica o sentido em que a crosta terrestre foi mais comprimida. Esse “aperto” define como as fraturas se organizam e ajuda a prever o tipo de falha ou ruptura que pode ocorrer.

Veja as figuras abaixo que representam alguns processos da geologia estrutural: 

           Fonte: Ciência Geológica - Tipos de Falhas. A imagem mostra alguns tipos de falha que ocorrem na crosta terrestre. Sendo respectivamente: Falha Normal, Falha Deslizante e Falha Inversa. 

 Imagem ilustrativa que apresenta um geólogo com uma bússola.  Ele utiliza a bússola geológica para medir a orientação das camadas e fraturas presentes nas rochas. Sistemas de fraturas são uma rede de “trincas” que segmenta a rocha em blocos e define planos de fraqueza e caminhos preferenciais de água.

A imagem simboliza o estudo deste artigo: dobras geológicas estudadas na geologia estrutural. 

Já a geologia de engenharia retoma esse diagnóstico e o transforma em prática de projeto e obra ao planejar, projetar e monitorar intervenções para que o terreno se comporte como esperado. No dia a dia, isso significa responder perguntas muito práticas: este talude (talude é um terreno em declive) é estável? o túnel vai atravessar blocos soltos? qual contenção e drenagem são necessárias?

Portanto:

  • Geologia estrutural: estuda as deformações e estruturas que a crosta registra (fraturas, falhas, dobras, zonas de cisalhamento) e os esforços que as geraram.

  • Geologia de engenharia: aplica esse conhecimento para planejar, projetar e monitorar obras, respondendo perguntas muito práticas

O que é um modelo geotécnico, para que serve e como é feito?

Quando se inicia um trabalho, é necessário construir um modelo geotécnico: uma representação integrada do terreno que ajuda a prever seu comportamento e a tomar decisões de projeto e obra. Ele serve para transformar observações de campo e resultados de laboratório em cenários de estabilidade, permitindo estimar fatores de segurança, escolher contenções e planejar o monitoramento.

A construção começa com mapeamento geológico em escala adequada, normalmente de detalhe, para reconhecer tipos de rocha e solo, contatos, zonas de alteração e eventuais zonas de cisalhamento. Em seguida vem o mapeamento estrutural, com foco na tectônica rúptil, que mede a orientação, espaçamento e persistência de fraturas, juntas e falhas, pois são as “linhas de fraqueza” que controlam deslizamentos, tombamentos e cunhas. 

Além da geologia, o modelo precisa considerar o contexto de uso: como será a habitação e o povoamento da região, quais vias e cargas estarão presentes, como é o regime de chuvas e a drenagem. 

Para saber se a rocha é resistente ou não, coletam-se amostras e realizam-se ensaios geotécnicos, no geral, os geólogos e engenheiros coletam amostras e fazem testes que mostram o quanto ela aguenta de pressão, peso e infiltração de água. 

Com esses dados, verifica-se se a rocha/solo resiste ao peso necessário para a obra, dimensionam-se soluções e definem-se margens de segurança. É um processo iterativo: conforme a obra avança e o monitoramento traz novas leituras, o modelo é atualizado e as decisões ficam mais assertivas.

Ferramentas para análise de taludes e túneis

Primeiro, análise cinemática, que após o estudo estatístico das fraturas, verifica-se a probabilidade dos modos de instabilidade. Em solos, uma regra prática ajuda: inclinações acima do ângulo de atrito tendem a ficar instáveis. O ângulo de atrito, parâmetro indicado pelo símbolo φ , expressa a resistência ao escorregamento e ajuda a estabelecer a inclinação segura de taludes, além do atrito nos planos de deslizamento em rocha.

No caso de encostas de rocha, o foco são os planos de descontinuidade (pontos fracos da rocha) e sua condição (como o aspecto, por exemplo, de rugosidade), que controlam o atrito efetivo. Em termos mais práticos, o que manda são as “costuras” e rachaduras por onde a rocha pode escorregar, se essas superfícies são lisas ou ásperas, e se há algo entre elas, por exemplo argila úmida, que funciona como um “lubrificante”. A relevância de tais fatores, logo, está no impacto disso no quanto a rocha resiste ao deslizamento.

Na análise estática (equilíbrio limite), softwares combinam peso, ângulo de atrito, além de outros fatores como coesão, para estimar a instabilidade. Uma forma de medir isso é através do fator de segurança (FS): quando o FS é maior que 1, a estrutura está segura; se estiver perto de 1, a situação é limite; e se for menor que 1, há risco de deslizamento ou ruptura. Ou seja, é a relação entre resistência e solicitação, que também fornece uma informação numérica da “folga” calculada.

Em túneis, a estabilidade imediata é avaliada com a Teoria dos Blocos (Alan Goodman) onde a partir da orientação das descontinuidades, estima‑se a probabilidade de queda ou tombamento de blocos no teto e nas paredes, apoiando o projeto de contenções e o suporte inicial logo após a escavação.

Do mapa ao cálculo: o papel dos softwares

Como citado, os softwares, mediante monitoramento contínuo, são ferramentas úteis para manter fatores de segurança adequados porque conectam, de forma sistemática, a geometria do maciço às forças que atuam nele, realizando estimativas baseadas nos ensaios efetuados.

Na sequência, realiza‑se a análise cinemática para verificar a possibilidade geométrica dos principais modos de ruptura (plano, cunha, tombamento). Logo, parte‑se para a análise estática em que os modelos são compostos por diversos parâmetros como pressões d’água e ângulo de atrito para estimar o Fator de Segurança (FS) e testar a sensibilidade à chuva, rebaixamento do lençol, vibrações e mudanças de geometria.

Com os cenários críticos identificados, a equipe dimensiona soluções e acompanha a resposta do terreno. À medida que entram novas informações de obra e monitoramento, o modelo é atualizado e o ciclo se repete, mantendo a tomada de decisão alinhada à realidade.

Exemplos - do campo às obras:

Para ilustrar como o conhecimento geológico se  aplica em situações reais, veja alguns exemplos de campo no Brasil que ajudam a compreender a importância do estudo das rochas, fraturas e deformações no terreno:

  • Encostas na Mogi-Bertioga: Projetos e estudos voltados à prevenção de acidentes ao longo da estrada, por meio do mapeamento de fraturas, análises de cunhas e risco de tombamento, visando a implementação de soluções de contenção e drenagem que garantam o adequado fator de segurança.

      Fonte: G1, Divulgação/CNL (2025). Um exemplo na estrada mencionada: deslizamento de encosta interdita os dois sentidos da Mogi-Bertioga (matéria do dia 08/01/2025)

  • Obras com problemas complexos (barragens/escavações urbanas): casos como a abertura de falha na Barragem de Santo Antônio (RO)- e o desmoronamento na Estação Pinheiros (SP) reforçam a importância de um modelo embasadoe de um monitoramento para responder à mudanças inesperadas no terreno.

      Fonte: CLAYTON DE SOUZA/12.jan.2007-ESTADÃO CONTEÚDO, IN: UOL. Imagem mostra desmoronamento da Estação Pinheiros, ocorrido em 2007, com sete vítimas fatais.

A ponte que salva vidas e recursos

A geologia estrutural decifra como a crosta se quebrou e onde o terreno é mais fraco. Na sequência, a geologia de engenharia transforma esse diagnóstico em projeto, contenção e monitoramento. Assim, é garantida a segurança das obras e da infraestrutura através do conhecimento geológico.

O poder público, ao atuar em ambas as frentes, tem a responsabilidade de reduzir vulnerabilidades diante de chuvas extremas, eventos climáticos, expansão urbana e dar transparência às decisões técnicas, garantindo a segurança da população.

Saiba mais

Quer ver melhor esses conceitos? Assista ao nosso vídeo curto abaixo sobre geologia estrutural aplicada à engenharia. Assim, você acompanha a entrevista com o Prof. Marcos Egydio com autonomia e curiosidade informada.

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