Você já parou para pensar que quase tudo ao nosso redor, do celular que usamos à comida que chega à nossa mesa, depende de minerais?
Nos filmes de ficção científica, é comum vermos os minerais sendo usados de maneiras excepcionais. A kriptonita, por exemplo, aparece na narrativa do Superman como um mineral fictício capaz de enfraquecer o herói quando sua radiação entra em contato com seu corpo. E por mais que até os dias de hoje não exista nenhum mineral como a kriptonita, existem milhares de outros minerais que são descobertos e essenciais para o desenvolvimento da nossa sociedade.
No texto de hoje, vamos abordar como mineralogistas trabalham para fazer a descoberta desses novos minerais, e refletir sobre, qual é, de fato, a importância dessas descobertas para a nossa sociedade.

Antes de começar, é importante definirmos o que exatamente é um mineral. Em livros antigos um mineral é definido como um sólido, formado através de processos geológicos, e de forma exclusivamente inorgânica, porém hoje em dia essa definição já caiu por terra.
Atualmente, um mineral é classificado como um sólido formado por processos geológicos, de forma que ele pode ser orgânico, porém jamais exclusivamente. Desta forma pérolas, por exemplo, apesar de seu famoso brilho sedoso e também serem usadas como joias, assim como diversos minerais, elas não são consideradas minerais, uma vez que apresentam um processo de formação unicamente realizada por seres vivos.
Assim, há exemplos de uma formação híbrida. Alguns minerais podem até surgir a partir de processos mistos, envolvendo compostos orgânicos e elementos metálicos.
Diversos vegetais, como espinafre, beterraba e cacau apresentam oxalatos em sua composição. Quando liberados no ambiente e decompostos, eles podem se ligar a íons metálicos, especialmente cálcio, podendo gerar um mineral insolúvel: o oxalato de cálcio.
Esse processo é um exemplo de uma formação metalorgânica, em que um íons metálicos se ligam a compostos orgânicos, formando um mineral. Outro exemplo é a bojarita, que é encontrada em um depósito de guano, tipo de fertilizante formado a partir de fezes de morcegos, na província de Iquique, no Chile.
Desta forma, passamos a compreender um pouco da profundidade de um mineral, contradizendo definições obsoletas como um simples componente ‘inorgânico’.
A partir da definição do mineral, podemos partir para a importância dele em nossas vidas.
Pode ser um pouco abstrato, mas, é um fato que comemos minerais todos os dias. Um exemplo mais básico é a halita, ou também conhecido como o sal de cozinha (NaCl). Outro exemplo são minerais que contribuem fortemente para a medicina, como o ácido fluorídrico (HF) que atua como uma prevenção contra cáries, nas pastas de dentes e é extraído do mineral fluorita (CaF2). E também há minerais que são importantes para matéria-prima de baterias, como a lepidolita que é utilizado para extrair lítio.
Mas há um mineral em particular, descoberto no Brasil, que merece destaque. Ele possui amplas aplicações na indústria farmacêutica, como no desenvolvimento de drogas inorgânicas, capazes de imobilizar o vírus da AIDS.
Este mineral foi descrito em 2006 pelo mineralogista e professor da universidade de São Paulo, Daniel Atêncio - o autor do artigo deste texto de divulgação - na mina de Jacupiranga, em Cajati, no interior do estado de São Paulo: trata-se da Menezesita, um mineral de grande relevância no estudo da mineralogia, isso porque é o primeiro ³heteropoliniobato natural identificado. Isso significa que sua estrutura cristalina é praticamente idêntica a de um composto que até então só tinha sido produzido em laboratório.
Mas afinal, o que é um heteropoliniobato?
Os heteropoliniobato são estruturas que possuem espécies de aglomerados moleculares, estruturas em formato de octaedro (imagine uma pirâmide de base quadrada, mas com a sua base colada à base de outra pirâmide igual, só que invertida) que vão se juntando, de forma que uma cola na outra, formando algo semelhante a uma gaiola. Dentro desse conjunto, há sempre um átomo diferente: o heteroátomo, que funciona analogamente como o pássaro dentro dessa gaiola, em torno do qual toda a estrutura se organiza.
Essa característica faz com que os heteropoliniobatos sejam extremamente versáteis. Eles já vêm sendo estudados para aplicações na indústria farmacêutica, como dito acima, mas também no armazenamento seguro de elementos radioativos como o urânio, para proteção de determinados ambientes.
Como são descobertos novos minerais?
Atualmente, são reconhecidas e aprovadas pela Associação Mineralógica Internacional (IMA), 6.166 espécies diferentes. Mas, a dúvida que fica é: como esses minerais são descobertos?
A descoberta de novos minerais é um processo longo, que engloba tanto a análise de novas amostras de rochas e cristais como também a reavaliação de amostras antigas, uma vez que há o surgimento constante de novas tecnologias.
Vale ressaltar que, dentre as mais diversas regiões da Terra, há uma grande variedade de composições mineralógicas. Isso se deve a diferentes elementos químicos presentes nos materiais e principalmente a diferentes condições de temperatura e pressão.
Neste contexto, um fragmento que tenha se formado em condições muito raras, pode ser um sinal para revelar novos minerais.
Os meteoritos têm um papel essencial nessa busca. Pois ao serem corpos rochosos estranhos as condições da Terra, em relação a Pressão e Temperatura, tornam-se um fator chave para a nomeação e catalogação de minerais inexistentes no planeta.
Na região de Allende, no México, foi possível a descoberta de diversos novos minerais ao analisarem amostras de um meteorito condrito que caiu na região.
Após coletar uma amostra promissora, os cientistas usam técnicas avançadas para analisar minerais em laboratório. Uma das principais é a difração de raios X, que funciona como uma espécie de raio-X do cristal, revelando como os átomos estão organizados por dentro, e também a microssonda eletrônica, que fornece a composição química do mineral
No entanto, existem certas regiões da crosta terrestre que são privilegiadas no conteúdo e diversidade mineralógica e são essas regiões onde muitas das novas espécies de minerais foram encontradas. Na península de Kola, na Rússia, por exemplo, foram descobertas mais de 200 novas espécies minerais. Já no Brasil, esse número é bem reduzido, isso porque em nosso país não há uma infraestrutura tão grande de pesquisadores nesse ramo, como na Rússia.
O total de minerais descobertos no Brasil foram apenas 77, e desses a maioria foram encontrados por pesquisadores estrangeiros.
Ou seja, é possível considerarmos que, por mais diversidade geológica que o Brasil tenha, não há muitos pesquisadores que se dedicam à pesquisa mineralógica. O que é um problema a se pensar, já que a descoberta de novos minerais não é apenas para ramo de curiosidade, mas acima de tudo, para o desenvolvimento de nossa sociedade.
Nesse sentido, dentre os poucos minerais que foram descobertos no Brasil, grande parte são da região de Minas Gerais, devido a sua abundância geológica e também pela sua extensa área. Só na cidade de Poços de Caldas foram descobertas 9 espécies diferentes.
Dentre os 77 minerais descobertos, 4 deles apresentaram uma nova estrutura cristalina, sendo eles: (carlosbarbosaíta, jeffbenita, melcherita e brandãoíta)
E por mais que esses nomes pareçam ser engraçados, eles estão dentro da regra de nomenclatura da Associação Mineralógica Internacional.
De acordo com às normas de nomenclatura da Associação Mineralógica Internacional, um mineral é nomeado com base na sua localidade geográfica, como por exemplo o mineral brumadoíta, encontrado por Paulo Matioli e Carlos do Prado Barbosa em 1993, na região de Brumado, Bahia. Outro exemplo é o goyazita, que foi nomeado ainda quando o estado de Goiás se escrevia com “y”, e por último, é o mineral bahianita, nomeado em homenagem ao estado da Bahia.
Outra regra de nomenclatura - que ao meu ver é a mais engraçada e resulta em ótimos nomes - é a homenagem à pessoas. Essa homenagem pode ser ao descobridor do mineral (desde que não seja o próprio autor) ou a uma pessoa proeminente no campo da mineralogia. Como é o caso citado dos minerais que possuem uma nova estrutura cristalina. Mas há outros relevantes, como o souzalita, em homenagem ao Dr. Antônio José Alves de Souza, que foi diretor do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) no Rio de Janeiro. E também o atencioíta, este mineral é relevante falar, já que foi em homenagem ao autor deste artigo: o Professor Dr. Daniel Atencio, que também é professor do Instituto de Geociências (IGc).
Então, se você um dia descobrir um mineral, se sinta livre para homenagear alguém, e resultar em ótimos nomes!
A chegada dos minerais no Brasil
É válido dar o contexto da mineralogia no Brasil, já que o uso dos minerais iniciou-se há muito tempo com os povos originários que habitavam aqui antes da chegada dos primeiros colonizadores. Eles empregavam minerais como jaspe, cristal de rocha, calcedônia, hematita, serpentina, jade, amazonita e ágata para a confecção de materiais, como machados, facas e outros instrumentos. Com o tempo, também passaram a ser usados como adornos pessoais e em práticas religiosas.
Com a colonização, os registros escritos sobre as riquezas minerais do território começaram a surgir. Cerca de 50 anos após o “descobrimento” do Brasil, o espanhol Felipe de Guilhem relatou ao rei Dom João III a presença de esmeraldas e outras pedras preciosas. Pouco depois, em 1576, o português Pero de Magalhães Gândavo publicou o primeiro relato sobre a existência de ouro e cristais em terras brasileiras.
Na sequência, em 1587, o cronista Gabriel Soares de Sousa registrou achados de ouro, cobre, ferro, ametistas, granadas e até “pedras verdes” utilizadas pelos povos indígenas como adornos. Poucos anos depois, em 1589, Afonso Sardinha e seu filho descobriram depósitos de magnetita e, em 1591, fundaram em Ipanema (atual Sorocaba, SP) a primeira fundição de ferro do Brasil, que funcionou até 1628. A tradição mineradora da família continuou: Pedro Sardinha e seu filho Gaspar exploraram ouro inicialmente no Jaraguá, SP, durante várias décadas.
Para terminar: Mineralogistas no Brasil
Se você chegou até aqui e despertou um pouco mais de curiosidade pelo universo dos minerais, sinta-se abraçado a continuar nessa jornada. A verdade é que, apesar da riqueza geológica do nosso país, hoje o Brasil conta com apenas 10 mineralogistas dedicados à descoberta de novas espécies minerais. Isso é desanimador, porque muitos minerais descritos primeiro no exterior poderiam, na verdade, ter sido descobertos aqui.
Entre esses poucos especialistas, vale destacar o trabalho do professor Daniel Atencio, considerado um dos maiores nomes da mineralogia brasileira. Ele representa o Brasil na Commission on New Minerals, Nomenclature and Classification (CNMNC), da International Mineralogical Association (IMA): a instituição internacional que valida e padroniza a nomenclatura das novas espécies minerais. Além disso, Atencio já descreveu diversos minerais descobertos no Brasil, contribuindo fortemente para o avanço científico.
(Fonte: Serviço Geológico Brasileiro (SGB/CPRM, 2023).
Por fim, este panorama mostra apenas um fragmento da importância da mineralogia para o avanço da ciência. Agora, quando analisar um mineral novamente pense nas contribuições que ele pode trazer para nossa sociedade.
Assim, terminamos mais uma edição da Folha de Mica.
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