
O texto a seguir tem como objetivo a divulgação científica do artigo “O Impacto do Intemperismo no Arenito de Revestimento do Teatro Municipal de São Paulo”, produzido por docentes do Instituto de Geociências da USP. Esta adaptação foi desenvolvida com o intuito de tornar mais acessíveis os artigos científicos produzidos no meio acadêmico, aproximando o conhecimento técnico de um público mais amplo. Com a autorização da Professora Dra. Eliane Aparecida Del Lama — que gentilmente contribuiu com imagens e explicações adicionais sobre sua pesquisa —, foi possível elaborar este texto de divulgação.
Recomendamos, após esta leitura, a consulta da obra original.
Você já parou para pensar que história estaria representada nas pedras que revestem um dos edifícios mais famosos de São Paulo?
O Teatro Municipal, além de ser um ícone cultural e arquitetônico, também carrega uma história geológica de milhões de anos, que ainda é tão pouco conhecida pelo público.
Inaugurado em 12 de setembro de 1911, o Teatro Municipal é um dos principais cartões-postais da cidade de São Paulo e um dos símbolos mais emblemáticos da arquitetura paulistana. Inspirado na Ópera de Paris, o edifício reflete os ideais da Belle Époque — movimento europeu que foi marcado por um otimismo elitista e pela valorização da ciência, arte e de grandes transformações urbanas.
A princípio, no Brasil, os reflexos da Belle Époque se manifestaram nas grandes cidades, com destaque para o Rio de Janeiro e São Paulo, por meio de reformas urbanísticas influenciadas pelos modelos arquitetônicos parisienses. No entanto, além do valor histórico e artístico que o edifício carrega, há também uma relevante dimensão geológica envolvida em sua construção, especialmente no uso de materiais como um tipo de arenito do Grupo Itararé — aspecto que será analisado adiante.
É importante sabermos que, o Theatro Municipal completa, em setembro deste ano, 114 anos desde a sua inauguração. Mesmo sendo um dos grandes símbolos culturais de São Paulo, o edifício apresenta alguns problemas intrínsecos no tipo de rocha usado, ou seja, apresenta rachaduras e alterações no interior do revestimento de arenito, que podem ser percebidas na fachada, nas laterais e na base da construção.
Neste texto, vamos observar justamente esses pontos, com um olhar voltado ao estudo dos minerais e à litologia, de maneira informal, vamos entender o tipo e as características da pedra que influenciaram o processo de intemperismo e degradação de seus constituintes minerais.

1. Conhecendo o local da extração do Arenito
Para isso, é importante conhecer a origem do material que compõe o revestimento rochoso do Teatro. Ele foi construído com uma rocha chamada arenito, mais especificamente o do Grupo Itararé, nome geologicamente dado ao tipo de rocha utilizado, extraído da antiga Fazenda de Ipanema, um lugar histórico localizado no interior de São Paulo que abrange os municípios de Iperó e Araçoiaba da Serra.
A relevância da região de Ipanema não se limita a ser fonte desses arenitos, foi palco também de um dos mais antigos sítios de mineração registrados desde a chegada dos colonizadores europeus, com evidências de escavações a partir do século XVI. Foi nesse mesmo local que, em 1810, foi fundada a primeira siderúrgica oficial do país: a Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema.
Atualmente, além de preservar esse importante patrimônio histórico, a área é também um grande campo de conservação dos biomas da Mata Atlântica e do Cerrado, servindo como espaço de estudo e lazer, e está sob gestão do ICMBio.
A partir disso, vale destacar o porquê do nome geológico ser conhecido como “Grupo Itararé”. Esse nome se deve à Formação Geológica Itararé: um conjunto de rochas sedimentares, formadas por deposição de sedimentos como cascalho, areia e lama.
Esses sedimentos foram depositados durante o período ¹Permo-carbonífero — limitado entre 360 e 290 milhões de anos atrás. Essa formação está ligada a um ambiente glacial, ou seja, em uma época em que a região da atual ²Bacia do Paraná estava coberta por geleiras — surpreendentemente, a região de São Paulo que conhecemos hoje já foi uma paisagem dominada por gelo, durante as grandes eras glaciais que marcaram o intervalo de 541 a 252 milhões de anos atrás, na Era ³Paleozóica.
É importante mencionar que o ambiente de formação do Grupo Itararé é deposicional, ou seja, é o tipo de ambiente onde os sedimentos foram acumulados ao longo do tempo. Nesse caso, trata-se de um ambiente continental, em outras palavras, longe do oceano, em terra firme.
Mais especificamente, os sedimentos foram depositados em ambientes deltaicos, como a foz de um rio, onde o rio deságua em um corpo d’água maior, como o ambiente atual do Rio Nilo, no Egito.
Por ocorrer nesse tipo de ambiente, a energia de transporte da água é média a baixa, o que significa que apenas sedimentos mais finos conseguem ser carregados. Entre eles, estão materiais como o silte, a famosa argila, e também a areia.
2. Como é a mineralogia de rochas do Grupo Itararé?
A granulometria do Arenito Itararé, isto é, o tamanho dos grãos que o compõem, varia de areia fina a grossa. Conhecer essa variação é importante porque ajuda a entender o ambiente em que os sedimentos foram depositados e o tipo de transporte que os carregou até ali.
Já suas camadas mostram uma estratificação do tipo ⁴sigmoidal, com curvas que indicam a direção em que as correntes de antigos rios fluíam. Também são observadas estruturas de corte e preenchimento, que geologicamente são chamadas de ⁵estratificações cavalgantes, que reforçam a influência de um ambiente fluvial na formação da rocha.
Apesar do local exato de onde os arenitos usados no teatro foram extraídos não apresentarem evidências diretas de um clima glacial, há registros desse tipo nas regiões próximas. Um exemplo são os ⁶varvitos de Itu, que mostram camadas muito finas, formadas em antigos lagos glaciares, com alternâncias rítmicas, relacionadas aos extremos nas estações do ano (verão e inverno).
(Imagens abaixo retiradas do artigo original)



“Estruturas sedimentares observadas na fachada do Teatro Municipal. A. Estratificação cavalgante. B. Estratificação sigmoidal. C. Diferentes posições da estratificação observada nas placas de revestimento: 1. estratificação em posição horizontal, 2. estratificação em posição vertical, 3. corte paralelo à estratificação (similar à vista em planta)”.
3. Petrografia - Investigando as Rochas no Microscópio
A análise do arenito que reveste o Teatro Municipal foi realizada de duas formas: uma a olho nu, diretamente em campo, e outra com o auxílio de um microscópio petrográfico. Esse tipo de microscópio é amplamente utilizado na Geologia para observar rochas e minerais em lâminas delgadas, que são preparadas por meio do corte e polimento da rocha até atingir uma espessura muito fina.
As amostras analisadas foram coletadas em três locais diferentes: na própria Floresta Nacional de Ipanema, no revestimento do Teatro Municipal e em um depósito da Prefeitura de São Paulo, localizado ao lado do Teatro Municipal Flávio Império, na Zona Leste da cidade. Vale destacar que todas as coletas foram autorizadas pelos órgãos ambientais competentes.
Sabendo disso, é possível dizer que o Arenito apresenta uma coloração que vai do creme ao alaranjado, com camadas visíveis que variam em tamanho, da escala de metros até decímetros. Essas camadas alternam entre arenitos mais grossos, porosos e frágeis. Todas essas informações técnicas indicam e reforçam a formação por trás do Arenito, indicando um ambiente fluvial em seu passado.
Quando analisado ao microscópio, o arenito revela uma textura bastante variada, característica de uma rocha ainda considerada “imatura”, de maneira clara, formada por materiais que ainda não passaram por um processo extenso de transformação. Sua composição mineralógica é dominada pelo quartzo (entre 65% e 85%), seguido pelos feldspatos (entre 5% e 30%), principalmente plagioclásios (um tipo de Feldspato), além de minerais extras como turmalina, zircão, muscovita e anfibólios.
Um detalhe essencial foi revelado durante uma análise feita no próprio Instituto de Geociências, por meio da técnica de difração de raios X. Foi que essa técnica permitiu identificar, na amostra do arenito, a presença de minerais como esmectita, vermiculita e clorita.
Esses nomes podem parecer distantes do nosso dia a dia, mas eles têm um papel fundamental: esses minerais são altamente sensíveis à água e ao clima, o que significa que se alteram com facilidade. Por isso, a presença deles ajuda a explicar por que o revestimento do Teatro Municipal vem sofrendo com rachaduras e degradações ao longo do tempo.
Em outras palavras: esses minerais tornaram a rocha mais vulnerável ao intemperismo, ou seja, à ação natural do tempo, da chuva e das variações de temperatura. Esse é um dos fatores-chave que contribuem para o desgaste visível hoje no edifício.
4. Formas de Intemperismo no Revestimento do Teatro Municipal
Durante uma entrevista, a professora Eliane Aparecida Del Lama, uma das autoras do artigo original, comentou uma percepção comum entre os alunos: muitos acreditam que o desgaste do Teatro Municipal se deve, principalmente, à poluição da cidade de São Paulo.
Mas, segundo ela, essa ideia está equivocada. Isso porque os mesmos tipos de problemas observados no Teatro também aparecem no bloco de arenito original, localizado na Flona de Ipanema, um ambiente que apresenta um nível de poluição muito mais baixo.
Outro fator relevante é que, a presença dos argilominerais (aqueles minerais ditos a cima, como esmectita, vermiculita e clorita) têm um papel decisivo no processo de intemperismo do Teatro Municipal. Esses minerais absorvem água com facilidade e acabam provocando um estufamento interno na rocha. Como resultado, a pedra se torna mais frágil e suscetível à quebra, o que explica a ocorrência de placas soltas, lascamentos e fissuras, visíveis não só no Teatro, mas também em outros edifícios históricos, como a antiga Estação Ferroviária de Ponta Grossa, no Paraná, e a Catedral de Lausanne, na Suíça.
Entre 1985 e 1991, foi feita uma restauração com o objetivo de amenizar os danos. Uma das medidas adotadas foi a aplicação de uma camada de verniz sobre o revestimento. No entanto, o efeito foi contrário ao esperado: o verniz selou a superfície e impediu a saída de água, intensificando ainda mais o estufamento e a escamação.
Dessa forma, é possível perceber que o maior agente de desgaste não está ligado à ação humana diretamente, como poluição ou vandalismo, mas sim às características naturais da própria rocha.
Ainda assim, outros tipos de intemperismo também foram identificados, embora com menor impacto. Entre eles, a colonização biológica, com presença de musgos, plantas e manchas causadas por organismos vivos. Como também os pequenos sinais de intemperismo antrópico, como restos de chicletes, marcas de colagem de cartazes e sujeira acumulada.
Abaixo, seguem registros originais do artigo que mostram os efeitos do intemperismo no arenito do Grupo Itararé:



(Exemplo de intemperismo do mesmo tipo observado na fachada do Teatro Municipal, evidenciado no arenito da Floresta Nacional de Ipanema, causado pela presença de argilominerais)

(Presença de colonização biológica)
Agora, veja nosso glossário, quer dizer, nosso Geossário, para ficar ligado em todos os termos geológicos utilizados acima!









Por fim, concluímos que o arenito do Grupo Itararé é só o começo de uma longa jornada que conta o passado de uma rocha que guarda, em sua estrutura frágil, pistas surpreendentes da Terra.
A fachada do Teatro Municipal, marcada por fissuras, lascas e minerais instáveis, mostra como a geologia está presente mesmo onde menos esperamos.
E essa é só a primeira camada.
No próximo episódio da Folha de Mica, iremos avançar ainda mais nessa viagem geológica. E nos aproximar de um mundo que, ainda, é tão pouco falado.
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